Se a professora de português da c+s não me levou ao engano dizem-se homónimas as palavras que, com sentido diferente, se escrevem e pronunciam do mesmo modo.
... Com a lição entranhada no toutiço, não levei muito a descortinar com sorrisos o enigma que o Isaque pousou à porta do seu atelier: LEVE escrito num pedaço de pedra mármore encostado à caleira.
Peguei corajosamente na pedra.
No início era leve, mas depois a coisa começou a pesar, a escorregar, a doer até suar. Em surdina chamei-lhe nomes por ter conseguido, aquilo que nunca a minha mãe conseguiu fazer quando saíamos da mercearia, transformar-me num belo asinino de carga. Uma vez chegado a casa aligeirei o passo para que os vizinhos não me vissem em tais prantos pelas escadas acima. Finalmente pus-me a pensar: na sua simplicidade, este projecto convoca uma série de coisas interessantes! Participação, ludicidade, humor, mudança de quadros referenciais, relações de fronteira entre doméstico-público e performatividade (basta pensar na bizarria de ver pessoas no metro com um pedregulho ao ombro). Além de ter sido um golpe de asa sub-reptício para se livrar de acarretar centenas de pedras para o lixo.
Com fito duchampiano e gesto prodigioso só ao alcance das divindades, tal como Jesus nas bodas de Caná transformou água em vinho, o Isaque fez de (nós) calhaus obras de arte.
Liguei-lhe para o felicitar.
Lacónico apontamento sobre o Projecto Leve de Isaque Pinheiro.
Porto, 24 Janeiro de 2013.
Samuel J. M. Silva