"Arte de arremesso/ Diálogo com as paredes, título de obra que agora se discute, é uma composição inverosímil. Um fragmento arquitectónico de pendor classicista, inacabado, jaz no chão do espaço deste antigo local de culto envolto naquilo que numa primeira impressão se assemelha a um dispositivo de borracha para lançamento bélico e ofensivo dirigido a um oponente distante.
... A imagem óbvia é a de uma espécie de catapulta. Pressente-se a ductilidade do elemento negro que envolve aquele fragmento de coluna rosado. Pressente-se o peso do material e calcula-se a enorme energia que esse elemento retráctil teria de suportar para o arremesso.
Porém, numa observação cuidada (ou no toque), apercebemo-nos que se trata de um elemento de ferro, uma impossibilidade vertida em imagem provável. O espaço, confrontado com esta presença ameaçadora, torna-se opressivo, claustrofóbico. Cruzam-se vários tempos numa atemporalidade recetiva: a antiguidade clássica da origem deste tipo de armas e da gramática arquitetónica do fragmento de mármore, o romantismo associável estética do fragmento clássico, à ruína, a contemporaneidade no modo com um espaço se transmuta a partir da ocupação artística e, fundamentalmente, o presente imediato na reverberação de um contínuo som de uma picareta num qualquer estaleiro etéreo.
O fazer e a potencialidade do ser. Escultura performativa naquilo que convoca no seu estado tensivo. Porque nela espaço e tempo colidem num filamento do possível construído; não na sequela surreal, antes na irrealização do previsível. O absurdo, aqui, não provém de um acaso objetivo, antes de um calculado e estruturado plano de colisão entre aquilo que percetivamente retiramos do olhar materiais que pensamos estabilizados, para rapidamente perceber que na inversão das expectativas se questiona a nossa ineludível necessidade de interpretar mediante o conforto do reconhecível.
Ainda que tenha referido Isaque Pinheiro como um escultor, esta sua escultura é, talvez, um dos mais complexos dispositivos que gizou, exatamente porque responde a uma encomenda muito específica para um espaço muito particular. Nesse sentido, é um afloramento da Gesamtkunstwerk wagneriana, momento de intrínseca união de diversas artes e sentidos. Implicar diversas temporalidades, como se referiu, perceções mais ou menos cultas, profundas ou imediatas e despreocupadas (imagino crianças delirantes a usufruir da peça, e eruditos a rememorarem conhecimentos adquiridos…), tal é a energia que se pede a uma obra que permaneça para além da sua circunstância.
Quando o artista conceptual Douglas Huebler se propunha, em 1969, não acrescentar mais objetos ao mundo, numa provocativa e premonitória relação com a criação extensiva, irresponsável e medíocre de “obras de arte” que ocupam demasiado espaço nos confins de casas a serem despejadas, reservas de museus incompatíveis com tanto metro cúbico de “indesejados”, perguntemo-nos, sempre e com o maior discernimento possível: vale a pena? Neste caso, neste momento, declaro: sim. Obrigado, Isaque."
Miguel von Hafe Pérez